Passando pela calçada, olhei de relance para dentro do estabelecimento. Azulejos verdes-claros subiam até metade da parede. Havia um balcão de doces, uma mesa com xícaras e garrafa térmica. Em milésimos de segundo de trabalho conjunto, o cristalino, a retina e o cérebro formaram a imagem que me pareceu a mistura de Loja Granado com armazém de secos e molhados. Entrei.
A única pessoa lá dentro era um homem velho de cabelos
inteiramente brancos e penteados à perfeição para o lado. Usava máscara. Achei
estranho que estivesse sentado em um banquinho de madeira no centro da loja e
não posicionado atrás do balcão. Assim que me viu entrar, baixou as
sobrancelhas numa clara expressão de desgosto. Pedi um café. O velho aproximou
do ouvido uma das mãos em forma de concha. Falei mais alto e ele então retirou
da orelha uma das alças da máscara como se isso pudesse facilitar a compreensão
do que eu falava. Nossa falta de entendimento já estava decretada. Eu podia ter
desistido, algumas causas são compreensivelmente renunciáveis, mas eu insisti.
Em determinado momento, o velho balançou o braço e a mão em sinal negativo, o
que funcionou como uma expulsão. Saí incrédulo e com o tipo de ressentimento
que só o consumidor enxovalhado é capaz de sentir.
Poucos dias de diferença, entrei numa padaria em busca do que
fizesse as vezes da minha janta. Distraído com a análise das opções, levei um
susto quando um dos funcionários me abordou aos gritos: “Tenho uma surpresa pra
você.” Percebendo minha confusão, ele passou a falar ainda mais alto: “Você não
vai resistir. Saiu agora do forno uma pizza de queijo e alho”. O funcionário se
chamava Natan, conforme informado por ele mesmo. Enquanto falava, praticamente
me levou pelo braço até uma mesa onde estava exposto o pedaço da pizza. Sem alterar
a estridência com a qual se expressava, convocou os fregueses que estavam
sentados às mesas a me convencer sobre a excelência degustativa daquela
pizza. Todos me olharam simultaneamente, acenando em sinal positivo com a
cabeça. Por algum momento me senti o centro das atenções de algum musical
cômico. Poderia ser que a qualquer momento todos se levantassem e começassem a
fazer alguma coreografia, cantando odes à fatia fumegante de pizza.
Não nego que o rapaz era bom no que fazia. O problema é que
eu só queria preservar minha condição de cliente despercebido. Fiel ao
cumprimento de um roteiro alucinado, ele prosseguiu com sua tática de marketing.
Queria que cada um dos funcionários da padaria viesse até mim para reforçar sua
propaganda. Enfim, abreviei o curso das coisas e aceitei comprar o pedaço de
pizza. Natan, orgulhoso de seu sucesso, sacou do bolso o celular. Foi aí que me
apressei em pegar o caminho do caixa e sair da padaria. Era bem provável que ele
quisesse divulgar a venda pelo instagram ou, pior, gravar alguma dancinha da
pizza no Tik Tok.
Com o pedaço de pizza a tira colo e no caminho de casa, tive vontade
de voltar ao estabelecimento dos azulejos verdes-claros. Desta vez, pediria um
doce de abóbora.
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