A feira é livre, mas essa lógica não serve para os peixinhos
dourados que nadam – melhor dizer movimentam-se – nos poucos centímetros
cúbicos de água embalada em sacos plásticos pendurados ao longo da barraca.
Olhando de perto, a combinação entre transparência da água,
transparência do saco plástico, luz do sol, cor e imagem ilusoriamente deformada
do peixe provoca visual digno de exposição em museu de arte moderna. Ainda
assim, para além de impressões de luz e cor, o que se sobreleva são questões
existenciais ligadas a estas criaturas ensacadas individualmente.
Os peixinhos dourados também devem ter lá os seus sonhos,
talvez anseiem por conhecer os oceanos, talvez a condição de estarem solitários
em cada um dos seus sacos os faça invejar as espécies de peixe que compõem
cardumes, daqueles imensos e populosos que lá no fundo do mar vão se movendo
como se dançassem uma coreografia frenética. Pode ser até que desejem só mesmo
a tranquilidade de viver em algum aquário ornamentado e com vista para a sala
de estar de uma família cuidadosa em salpicar na água, com regularidade de
medicação, a comida a base de proteína de plantas aquáticas.
Ao meu lado, um cliente em potencial consulta a vendedora
sobre outro tipo de peixe, cuja presença ali eu ainda não havia notado. São
peixes também ensacados individualmente e que se destacam pela cor azul-escura
e pelas barbatanas imensas, algo carnavalescas. Querendo agradar a garotinha
com quem está de mãos dadas, ele revela sua intenção de levar muitos peixinhos,
juntando vários de cada espécie. Mas a vendedora, pondo-se acima de qualquer
vantagem comercial, troveja uma advertência severa, dizendo que, se colocados
juntos, o peixe de barbatanas exóticas, sem dó nem piedade, irá matar o peixe
dourado. De imediato a expressão da garotinha vai da euforia à desolação. A
vendedora percebe o susto no rosto dela e, tentando aliviar o que a informação
trouxe de aterrorizante, faz um gracejo: sabe, é que o peixe Betta é meio
encrenqueiro. Mas aí já é tarde. Ao que tudo indica, pai e filha estão desiludidos
a respeito da expectativa de criarem uma fauna encantada, a selvageria está
mesmo em quase tudo.
Volto a olhar para um dos peixinhos dourados. Agora é ele
quem parece fazer análises sobre mim. Posso jurar que me acha ingênuo e é como
se sua boca abrindo e fechando sem parar me aplicasse uma lição. Se estar misturado
aos seus é a morte, então o melhor dos mundos é estar como ele está.