Só ela está sentada. Ele está de pé ao lado dela, embora ao
redor da mesa cadeiras vermelhas com emblemas da Cola-cola estejam disponíveis.
Na perspectiva da posição mantida entre os dois, as palavras ditas por ele caem
sobre ela, melhor dizer que desabam, e desabam porque têm o peso de um bloco de
pedra, o peso e também o potencial de machucar.
À medida que ele fala, as feições dela se contraem, travam
luta inútil contra o choro, tentar evitá-lo é, ao contrário, acender sua sanha
e assim, por efeito de represa rompida, o rosto é invadido por lágrimas,
soluços, baba. O choro desenfreado não o comove, parece, sim, irritá-lo, ele
acelera a velocidade da fala e aumenta a variedade de gestos. No redor, as
mesas dispostas no calçadão estão ocupadas por pessoas sorridentes que disputam
entre si qual delas tem a mais alta tonalidade de voz. Outra coisa que fazem é
fingir. Por discrição, fingem não perceber o que se passa na mesa em que paira
sobre o casal uma crise, ao que tudo indica, fatal. É claro que eles têm plena
noção do que acontece, cada olhar de soslaio, cada viradinha para chamar o
garçom, cada ida ao banheiro, todas são alternativas para atualizar como vai o
andamento do imbróglio sentimental.
De uma forma ou de outra, todos estão perfeitamente cientes,
por exemplo, sobre o que agora ele diz em voz de trovão:
– Se não vai conversar, eu vou embora!
E ele vai. Cabelos cortados conforme a moda das laterais
raspadas em degradê, óculos emoldurados por uma armação vermelha, ou talvez
seja vinho, ou talvez bordô, bolsa de papelão daquelas em que se carregam
roupas recém-compradas, ele caminha resoluto, nem sequer ameaça olhar pra trás,
um desfile que para ela é difícil suportar, a cabeça tomba para dentro dos braços
enroscados sobre a mesa, menos pela vergonha e mais para interromper a visão
daquele afastamento irremediável. E nesse jeito em que a cabeça está afundada
no meio dos braços, os detalhes de seu penteado ficam à mostra, o que ela terá
pensado enquanto em frente ao espelho modelava o coque ainda caprichosamente
intacto?
Quando levanta a cabeça, nota na mesa a pequenina poça
formada a partir de sua tragédia particular, impondo-lhe a medida urgente de
levar o dorso da mão aos olhos, pronto, golpe baixo, isto aqui que era para ser
apenas um relato, uma descrição fria sobre o cotidiano e suas ocorrências,
agora é puro compadecimento, porque, especialmente se levado em conta o jeito
como tantas crianças choram, pouca coisa merece mais compadecimento do que o ato
de enxugar as lágrimas com o dorso das mãos. Em seguida recorre ao celular,
instrumento que além de todas as suas serventias usuais também é muleta para
situações constrangedoras. Lança um olhar vazio para a tela, faz uma ligação e
depois bate em retirada tão rápido que é como se conseguisse desaparecer.
Munido de pano e borrifador, o garçom se apressa em limpar a
mesa de modo a poder acomodar os próximos clientes. Esfrega uma parte dela até
se deparar com a mancha úmida. Suspende a tarefa imediatamente. Decide então
deixar de secar aquele resquício de drama. Ao que parece, não se mete a querer
interferir na missão que só ao tempo incumbe.