Tiago, um pão na chapa, grita a moça do caixa sem olhar para
trás e enquanto manuseia o troco. Tiago, pão com ovo, grita quase ao mesmo
tempo a moça do balcão e é também do balcão que outro atendente cobra: Tiago, o
pão na chapa já tá pronto? Adianta um suco de laranja pra mim. Se você se
considera uma pessoa atribulada, tente então se colocar no lugar do Tiago,
chapeiro de padaria lançado às feras famintas que às sete da manhã espumam o
máximo de impaciência por estarem em estado de jejum.
Tiago é magro e muito alto de um jeito que, para manusear a
chapa, sua coluna se enverga na altura do pescoço. O bigode fino e ralo é
próprio da puberdade, evidenciando que a idade não passa dos dezoito. Depois de
ajeitar o boné com a mão encapsulada numa luva de plástico transparente, ele
diz: Peraí, gente, vocês têm que organizar melhor isso aí. E é mesmo assim,
desde que o mundo é mundo a balança da vida pende para comprimir aqueles cujo
fardo é pesado. Não à toa que, em Mateus, tão discípulo quanto o xará do nosso
valente chapeiro, é feito o convite: Vinde a mim todos os que estais cansados e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei, talvez mais tarde, porque neste exato
momento Tiago esfrega com um pano molhado toda a extensão do balcão enquanto
deixa os pães, ovos e queijos fritando na chapa.
Uma das atendentes é Cida, sabe-se o nome dela porque Tiago a
consulta a todo tempo para esclarecer detalhes sobre os pedidos. Cida, é pão
francês ou de forma? Ela tem a ideia de anotar o nome dos fregueses nas
respectivas comandas. Qual o seu nome? Mas por que preciso falar meu nome? É
pra te chamar quando estiver pronto. A desconfiança do freguês parece ter
abalado Cida, que então retoma o velho método das comandas inominadas. O
atendimento, agora feito com ar reservado, é fruto da decepção indisfarçável.
Daqui pra frente, sem maiores pessoalidades.
Os pedidos continuam sendo anunciados em profusão, mas agora
sem que alguém dê conta deles, adejam a ermo, alguma coisa não vai bem. É Cida
quem olha para trás assustando-se ao perceber a chapa abandonada, cadê o Tiago?
Todos os balconistas se entreolham apreensivos, a tensão vai crescendo conforme
as comandas se acumulam irresolvidas. Quando tudo avança para o mais
irremediável caos, lá nos fundos da padaria uma porta, daquelas que vão e vêm
no estilo saloon do velho oeste, é aberta com estridência. Tiago acaba de
atravessá-la abraçado a uma cesta enorme e abarrotada de pães. Antes mesmo que
o questionem, ele se justifica: Não tinha ninguém pra ir buscar.