A novidade é que uma feira de livros irrompeu no meio do
itinerário dos passantes. Primeiro foi instalada num espaço amplo da praça, mas
aí veio a feira da casa própria e a empurrou para perto das barraquinhas dos
hippies. A praça ficou pequena demais com a chegada do feirão do automóvel, e
então a feira de livros passou a ocupar metade de uma rua estreita onde também
aos domingos são expostos produtos hortifrutigranjeiros orgânicos. Estes são
tempos de muitas exibições.
Os livros já foram usados, mas, por estarem embalados por
plásticos transparentes, aparentam ser zero bala. Varal de desenhos e cores, há
também muitos gibis à mostra numa tela comprida e é para eles que de baixo dois
olhinhos apontam. A garotinha se interessa especialmente pela capa puída em que
Chico Bento e Rosinha namoram sob a cobertura de muitos corações que os
protegem da chuva. Logo se vê que a garotinha tem o pescoço envolvido por uma faixa
azul na qual está pendurada uma medalha, qual terá sido o mérito ensejador
desta honra? E é uma desproporção graciosa a medalha ultrapassar a região do
peito e pender na altura da barriga.
A mãe se aproxima dela trazendo um livro infantil. Ao
compreender a situação, a garotinha se opõe ao que lhe é oferecido, quer porque
quer o gibi e isso parece ser inegociável, as duas começam a se desentender, a
mãe insiste, a iminência de uma pirraça paira no ar. Subitamente a garotinha se
aquieta, reprime toda a sua energia postulatória, e a careta que faz denuncia a
peleja travada contra alguma perturbação interior. Não demora e ela então
divulga o veredito do que a tem incomodado:
Quero fazer cocô.
Desinibida, sem o mínimo traço de constrangimento, ela repete
muitas vezes a frase que dá conta de sua necessidade. De vez em quando é
preciso que uma criança nos alerte sobre o fato de que somos o que somos e nada
somos mais do que somos. Mãe e filha atravessam a rua e seguem de mãos dadas a
correnteza de gente. Guiadas por uma urgência, somem de vista.
Pouco tempo depois estão de volta. Enquanto reexaminam o
acervo, a mãe percebe um lapso. Com um movimento rápido, retira da bolsa a
medalha, sorri um sorriso de mãe-coruja e a devolve ao pescoço da garotinha que,
bracinhos pra trás, faz pose de laureada triunfante. É chegada a hora de irem
embora. Nesta altura, é como se nada estivesse pendurado em seu pescoço, a
garotinha já não dá bola para a medalha que balança e reluz a cada uma de suas
traquinagens. Nem mesmo haveria de se importar se o que leva nas mãos é a
revistinha do Chico Bento.