As vestimentas não foram escolhidas ao acaso, longe disso, a
elegância do xadrez e o degrade das cores denunciam o muito de tempo gasto para
combinar camisa, calça e sandália. Também há capricho nos cabelos escovados,
massa de fios grisalhos que são menos arranjo capilar e mais escultura romana.
O portão do posto de saúde é aberto, e ela não se contenta de
tanto orgulho por ser a primeira a receber atendimento, que regozijo cumprir a assiduidade,
mas se bem que nem meia dúzia de pessoas a sucedem na fila de vacinação. Não se
sabe se por contrato, obrigação ou afeto, uma mulher a acompanha de braços
dados, as duas chegam ao balcão, e do outro lado só é visível o topo da cabeça
da moça que solicita a carteira de identidade. Após o devido exame, a voz,
mistura estranha de constrangimento e intransigência, salta para além do balcão
e decreta:
– A senhora só pode ser vacinada mediante apresentação de
atestado médico.
Pega desprevenida, ela olha para a mulher que a acompanha
como se implorando solução. Em seguida, volta-se para a moça do balcão, e o
jeito é fazer um apelo, diz que se responsabiliza por qualquer incidente
clínico, diz que não quer perder a viagem, diz que não vai ser tão rápido
agendar consulta com seu médico de confiança. Tudo em vão:
– É que as pessoas com
mais de sessenta anos correm mais riscos, existem muitas contraindicações. É
para o bem da senhora.
Note que a coisa descambou para a divulgação de informações
etárias, o que é suficiente para deixá-la resignada, não é bom que daqui por
diante haja a possibilidade de outras indelicadas divulgações. Mas ela logo se
anima com uma ideia, tem um novo objetivo, estamos sempre inventando propósitos
que nos mantenham distraídos.
A mulher que a acompanha é convocada a ir até a farmácia mais
próxima. Enquanto as duas vão passando pelas pessoas que esperam na fila, é
possível ouvir a sexagenária planejando a compra de um repelente. Logo mais é
noite de baile, e ela quer estrear a saia nova.