Intervalo tocante


Formada por terra, pedras e folhas secas, a miniatura de montanha se destaca no meio da grama. Do ponto de vista das formigas, um gigantesco vulcão camuflado. Ali perto, o rastelo descansa deitado no chão. E, completando os elementos e as relações de causa e efeito, uma mulher em trajes de labuta está sentada num pedaço de tronco que, na horizontal, faz as vezes de banco ornamentado.

No museu, mesmo aqui no seu quintal dos fundos, há muito para ser objeto de contemplação: a escultura de um revólver de cujo cano longo fizeram nó, as árvores vestidas de crochês multicoloridos, o sabiá-laranjeira inquieto em dia de canto prolongado, as costas do prédio de arquitetura clássica, a movimentação da feira de antiguidades instalada no lado de fora do muro baixo, a bandeira que tremula triste sob a sombra de uma araucária, mas nada disso merece maior atenção do que as reações provocadas pelo que ela acomoda numa das mãos.          

Coluna encurvada, cabeça sugada para baixo, olhos contraídos no esforço de conseguir foco, que falta fazem os óculos, a ponta do dedo indicador vai tocando a tela do celular, toques breves e receosos, é como se encostasse repetidamente na superfície de uma frigideira esquentada. Ela para de teclar e passa a encarar a tela do celular com a expressão dos hipnotizados, isso demora quase um minuto até que finalmente a alegria explode em seu rosto, é o que temos para os tempos atuais isso de flagrarmos sorrisos brotando a partir da portabilidade. Ela volta a teclar numa concentração de se esquecer do mundo, espera, rói as unhas, a mensagem recebida não é curta, exige que o dedo faça a tela deslizar, a sessão de teclagem recomeça, só que em seguida a espera se faz com rosto para cima, erguido ao alto, aos céus, o que está para vir como resposta requer muito mais do que uma simples espera, há torcida, há rogo.

Não só um dedo, mas a palma da mão inteira vai percorrendo lenta a tela do celular, afago que transpassa o limite eletrônico. Isso é feito antes que todos os dedos já estejam cobertos pela luva grossa de borracha.